Mão de Galinha
Essa é do tempo que galinha tinha dente. Na verdade, de um pouco depois; de quando ainda se comprava galinha na feira, vivinha da silva, ou no máximo, abatida na hora, por métodos nada solenes. Frango congelado, nem passava pela cabeça da gente! Mas isso não tem nada a ver com um fato ocorrido, que sempre me faz rir muito, toda vez que me lembro dele. Espero que gostem:
- Vamos jantar, senão a comida esfria! - Intimou minha tia.
A tarde chuvosa me prendera a sua casa, numa das muitas visitas que eu costumava lhe fazer quando ainda na pré-adolescência.
Mesa posta, todos a postos. Pela idade, ela (minha tia), eu, meus primos Deda, Kita, Neto e Mide. Esta mal acabara de pronunciar as primeira palavras, mas o suficiente para fazer valer sua vontade:
- Quero o pé, maeeeê!
Pedido atendido de imediato, até porque ninguem gostava muito mesmo de pé...
Tudo parecia normal. E quanto o jantar parecia iniciar-se, aquela voizinha melosa quase chorando reclama:
- Isso não é pé! Isso é a mão.
Primeiro o silêncio, depois o riso comedido de todos os demais.
- Minha filha, galinha não tem mão - tentou minha tia, compassadamente.
- Tem, sim. Eu não quero mão. Eu quero pé - Revidou a Mide.
- Galinha tem pé e asa, e só! - tentava mais uma vez minha tia.
- Quero o pé! -Agora em prantos e empurrando o prato pra longe de si.
Apesar da rudeza que era peculiar e permitido à época, a pouca idade de minha prima lhe privilegiava o foro de compreensão e paciência:
- E agora. que que eu faço? - Nos pergunta minha tia, já com a paciência por um fio.
Cada um de nós, vez-a-vez, usando todo nosso arsenal de argumentos não foi capaz de convencer a ingênua criança. E quando tudo parecia em vão, a comida já esfriando... surge a bendita luz no fim do túnel. Um de nós, soprou no ouvido de minha tia que o problema talvez fosse o tamanho dos "dedos" do pé da galinha. De imediato e longe dos olhos do bebê todos aqueles enormes e assustadores tentátucos foram reduzidos à metade.
- Pronto minha filhinha! Aqui está o pé de galinha.
Pranto estancado, sorriso nos lábios, apetite retomada. Lá íamos todos para, em fim, dar cabo ao nosso jantar...
- Buaaaá! Isso não é pé. É a mão. Vocês quebraram os dedinhos da mão da galinha... (Numa lástima tamanha que mais parecia querer dizer "Isso não se faz! Coitadinha da galinha")
Tanto tempo se passou desde aquela noite que nem lembro como terminou aquele jantar. Mas acho que teve, pelo menos, uma chinelada na mão. Não da galinha, é claro. Hoje fazendo uma reflexão, concluo que nossa família não tem um humor refinado e disperdiça essas perólas sem o devido tratamento: desde aquela noite o Brasil já ganhou três copas do mundo e nunca se fez qualquer gozação sobre o inusitado fato. Até hoje...pois ainda há tempo! Me aguardem vocês. Me aguarde, Mide!
Chico Chagoso
Enviado por Chico Chagoso em 29/01/2010
Alterado em 16/02/2010