Dona Maria
Dona Maria era desses pedintes cativos que de tanto tempo no mesmo lugar se tornam parte do cenário. Uma das mãos avermelhada mais que a outra descansando numa tipóia era a ferramenta de trabalho que lhe garantia o sustento nas portas dos bancos. Passava tempos numa agência, tempos noutra e assim levava a vida. Já não se importava com os xingamentos e tratava a todos por "filho meu/filha minha"; e sempre tinha agum pequeno feito para contar: "Filho meu! Ontem um rapaz quase foi assaltado, bem ali, oh!!! se não fosse por mim..." Com a chegada da velhice sua memória também começava a falhar. e as vezes não lembrava qual era a mão doente: "Dona Maria! Não era a mão esquerda que estava doente?" Levava um susto mas apidamente se recompunha: "Pois é, filho meu! parece castigo. Agora que a esquerda sarou essa aqui ficou assim de uma hora pra outra..." Outra ocasião foi flagrada com atipóia largada e usando as duas mãos para contar as moedas da arrecadação. "Sarou, dona Maria!" Rapidamente recolocou a mão direita e em seguida trocou pela esquerda num vexatório embaraço que terminou com um sorrisinho maroto. "Pra você ver, filho meu. Eu até que tento, mas não aguento muito tempo...". Se lhe dessem ouvidos ia longe... No entanto sua obrigação nunca esquecia: "Filho meu me dá uma ajudazinha aí, vai! Tenho que comprar mais remédio.." Havia também sempre um receituário que mostrava rapidamente à boa distância. O rosto doce era o que mais lhe garantia a simpatia e sucesso no seu empreendimento. Nunca se ouviu falar que tenha molestado ou mesmo causado desconforto a qualquer cliente. Sabia pedir sem perturbar a ordem. Muita gente até gostava de ser abordado e levava aquilo como um momento lúdico onde paravam para ouvir uma mentira senão inocente, pelo menos inofensiva, que por si já merecia ser remunerada.
Em um certo período passou a anunciar uma viagem que faria. "Vai ser uma longa viagem, filho meu!". Apesar de conhecida, nunca ninguém se preocupou em saber de sua vida partiular, muito menos sobre o itinerário de tal viagem. Da mesma forma ninguém sentiu sua falta quando deixou de aparecer nos seus "locais de trabalho". Hoje pouca gente se lembra dela. E desses, muito menos ainda sabem sequer seu verdadeiro nome. Sábia dona Maria! Até na maneira de se despedir...
Chico Chagoso
Enviado por Chico Chagoso em 05/03/2010
Alterado em 09/03/2010