Recanto do Chagoso
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Textos
La Sopa
     Carlos estava muito eufórico por três motivos: acabara de completar 18 anos, passara nos vestibulares para odontologia e para medicina e como presente por tudo isso ganhara a tão sonhada excursão pelo interior do Paraguay.
     Dois dos colegas inicialmente candidatos para a viagem desistiram, Apenas cinco, com ele resolveram seguir. Pedro, Pedro Simão, Marquinho e Aninha era a sua galera. Todos maiores e vacinados. Aninha e Pedro Simão estavam de namorico. Esse o motivo da quebra da regra numero 6 do estatuto da Excursão Peruana 2000, como eles chamavam, que proibia a ida de mulheres, menores ou idosos. Contava a favor de Aninha a suas habilidades no campo, além de ser uma excelente cozinheira.
     Preferiram ir de onibus até Foz do Iguaçu e de lá seguir como pudessem. Na vizinha Ciudade del Leste, Alugaram uma Kombi, deixando uma fortuna como cautela. Resolveram também contratar um guia. Seguiram pela Rota 7, depois pela 6ª e foram, conforme combinado gastando lentamente o primeiro de seus 30 dias de férias. A cada vila ou povoado uma parada, com fotos, videos e quando tinham sinal uma postagem nas redes sociais.
     O primeiro dessabor foi a quebra do cabo de embreagem, nas proximidades de um vilarejo chamado "Doctor Raúl Peña". Foi também esse defeito, ainda nos primeiros cem quilômetros de viagem que mudou sua rota. Tomaram rumo oeste e a 12 Km encontraram a verdadeira vila Raúl Peña. Como já passava de duas da tarde, nos seus relógios, não havia mais comida para vender e então almoçaram empanadas, no Bar Alcedo Shimts, enquanto o mecânico retocava a Kombi. A chuva torrencial de Julho lhes fez tomar cerveja por mais de uma hora. Depois visitaram a igreja e a Cooperativa Raúl Peña.
     Continuaram em direção Oeste até Enramadita (40 Km mais ou menos). O primeiro grande erro. Seguiram numa estradinha na direção sul. após uns dez quilômetros, encontraram a pista muito maltratada: a cada 500 metros tinha um atoleiro. Sorte que apesar da aparência uma Kombi não pesa muito e logo desatolavam. Mas os atoleiros foram ficando cada vez mas intransponíveis e quando já tinham andado quase vinte kilômetos resolveram voltar. Solano, o guia,nada sabia sobre aquelas bandas. "Nunca había estado aquí antes", respondia...
No início da madrugada, ainda sob forte chuva encontraram Enramadita totalmente deserta nas ruas. Alguém pensou alto: "Ah se tivesse uma sopa bem saborosa". Nesse momento Solano saiu da letargia e bradou: "¿Quieres probar la sopa paraguaya? La verdadera sopa paraguaya?". Em uníssono respoderam que queriam. "Poblado es entonces el lugar. Está a menos de quince kilómetros".  
     O que seria um "pum" prá quem já estava todo "borrado"?. Não seria nada. Mas como o tempo verbal mesmo indica: "No lo seria". E não foi (só um "pum"). Mais atoleiros. A fome e sede já estava quase vencendo o grupo quando finalmente, após quase meia hora em um atoleiro dos grandes, conseguiram.... estourar um pneu na ponta de uma rocha. Mais uma vez o otimismo falou mais alto: "Temos estepe! Resolvemos isso agora mesmo." Resolveriam caso tivessem comparado a bitola da chave de rodas, com os parafusos dos pneus da velha Kombi. Quase uma hora depois com a ajuda de martelos alicates e chaves de pressão conseguiram voltar a estrada...e chegar a bendita "Poblado".
     Agora sim estavam de sorte grande. Nada mais a atrapalhar a não ser a fome e a evidente escassez de comida àquela hora da manha. Perseguiram a ideia da sopa anunciada e logo avistaram o bar onde havia indicado o Guia. Aninha ainda tentou conjecturar sobre a qualidade da sopa mas logo foi desarmada pelos demais. "Sopa é sopa, mesmo ruim, com a fome que estamos, será muito bem vinda, se ainda tivermos sorte de encontrar alguma"  Assim, após a interveniência do guia, o dono do ambiente, que já se preparava para dormir, muito a contragosto resolveu atender o pedido...
     "?Quieren un caldo de verduras?", arriscou o homen. "Não, somente a sopa. Queremos algo substancial".  Quase uma hora depois, o homem trouxe-lhes os pães. Muito esquisitos, redondos e muito densos. Mas o que importava era a sopa. Solano pediu mais uma coca-cola e logo devorou o pão que lhe coube. "Não vai esperar a sopa", perguntou-lhe Aninha. "Esta es la sopa paraguaya.
La legítima". "Como é que é? Você está me dizendo que Sopa Paraguaia é esse pão esquisito e duro?", questionou Pedro. "Si...", já quase sem voz o patrício.
     Tentaram pedir o oferecido caldo de legumes.  "No hay más verduras, no hay carne... Pero... el gas también terminó", foi a resposta.
No dia seguinte dispensaram o guia, voltaram a foz do Iguaçu e tomaram um avião para Assunção.
     Dizem as más línguas que Carlos visitou mais algumas capitais Sulamericanas e até fez um doutorado de medicina em Buenos Aires... E que para defender sua tese teve que ir várias vezes até San Juan Nepomuceno, no Paraguai a doze quilômetros de Poblado...  Dizem também que nessas ocasiões, alugava carros traçados e levava muita comida em conserva...
     Alguns amigos de Carlos comentam um estranho hábito seu, ao pedir sopa nos restaurantes, de perguntar ao garçom se a tal sopa é líquida.
Chico Chagoso
Enviado por Chico Chagoso em 28/03/2012
Alterado em 16/05/2016
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