Recanto do Chagoso
Prosa e Poesia
Capa Meu Diário Textos Áudios E-books Perfil Livro de Visitas Contato Links
Textos
Soluços
     Sempre me questionei quanto aos motivos que levam as pessoas ao choro ou ao riso. Nunca soube exatamente se "rolava" um prazer ou uma dor nesses casos. E pior, sempre que tentei dar um palpite, errei. Uma vez fiquei aflito e ofereci ajuda a uma senhora que chorava ao telefone em um orelhão.  "Que a senhora tem? Poso ajudar? Quer uma Carona?", interagi. "É o meu filho!...", respondeu. "Que aconteceu com ele?", quis saber. "Ele passou no vestibular de medicina...". Outra vez estava atendendo uma cliente que por sua vez, atendia a um celular. Assim, do nada, a mulher ficou pálida e começou a rir, quase uma risada... Tentei ser gentil devolvendo um sorriso e ela me confessou que ria pra não chorar: "acabaram  de roubar o carro do meu marido...".
     Certo dia, entretanto, estava no aeroporto esperando um amigo, cujo voo estava atrasado e prometia demorar muito, quando, num canto qualquer, uma jovem senhora parecia sofrer em demasia pelo semblante que apresentava. Estava sempre a olhar para a sala de desembarque como se esperasse alguém. Refletindo sobre os fatos já acontecidos comigo, comecei a formatar uma situação para o cenário daquele momento. "Ela está esperando um parente doente...", foi o primeiro pensamento. Dai a senhora começou a soluçar. Então reformulei minha "tese". Talvez o marido estivesse vindo só para acabar o casamento. E o tempo passava mas nada de aparecer a pessoa por quem  esperava...  Então ela fixou o olhar em uma foto antiga e soluçou com vontade, mesmo. "Alguém da família morto! É isso, um translado!". As poucas pessoas que ainda apanhavam suas bagagens não pareciam ter nada a ver com nossa amiga em prantos. Eu já sofria a dor da senhora, mesmo sem saber nada sobre ela. Quando o barulho de uma decolagem atravessou os ambientes do aeroporto a senhora chorou em gritos e suspiros. Ela não esperava alguém, deduzi. Era a despedia de alguém que embarcava. Mas porque então não estava a frente da sala de embarque?... Talvez o barulho remetesse a algo especial para ela... E assim  o tempo passava.
     Aquilo já estava virando questão de honra, descobrir do que se tratava. Um doutorado, quase! Chegou um novo avião que até pensei ser o do meu amigo. E ai, sim vi a coisa piorar. A senhora chorava em voz alta descontroladamente. Voltei pra ideia do translado. Só poderia ser isso para provocar tanto pranto. E ai fiquei estabelecendo linhas retas entre a senhora e cada pessoa a quem ela dirigia o olhar... "Ela deve estar esperando a pessoa que acompanha o defunto", pensei.  Um agente da Infraero ofereceu-lhe um copo d'água. Ela parou o choro, recusou a oferta, secou as lágrimas e retornou a chorar... Estava atenta a todos. Mas uma pessoa que usava agasalho com caput escapou da sua observação. "Pronto é aquele! Está de caput para não vermos o rosto em lágrimas" E a pessoa apanhou uma pequena maleta tipo 007, na esteira das bagagens e caminhou muito vagarosamente em direção a saída. Eu já ficando desesperado e torcendo pra senhora ver logo o rosto da dita pessoa e acabar minha curiosidade. Mas finalmente seus olhares se cruzaram e nada aconteceu... E assim passaram todas a pessoas uma a uma e o choro não passava...
     De repente, não havia ninguém na sala de desembarque e foi ai que aconteceu o que eu jamais esperava. A senhora mais uma vez secou as lágrimas, deu um suspiro profundo, retirou da bolsa uma garrafinha de água, bebeu alguns goles, se levantou e foi embora...
Chico Chagoso
Enviado por Chico Chagoso em 19/07/2014
Alterado em 13/01/2021
Comentários