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Recanto do Chagoso
Prosa e Poesia
Textos
Por que não dobram os sinos?
     O sol estava a pino na pequena Puna, um vilarejo encrustado nas montanhas do altiplano boliviano nos arredores de Potosí. De repente todo mundo sinergicamente se voltou para a pequena igreja da vila. De imediado só olhavam em sua direção, mas logo depois, todos, em harmonia, se dirigiam para a pracinha bem a sua frente. Quando a aglomeração já era grande e preocupante, surge todo instigante Alejandro Ametller, o sineiro oficial. “Estoy aquí. Sólo entonces se dieron cuenta de que existo.” Referia-se ao fato de não ter tocado o sino naquele meio-dia.
     Realmente! Anos a fio aquela triplice badalada a meio-dia incorporava-se ao cenário, como uma árvore da praça, uma montanha da cordilheira, ou o pipoqueiro da esquina.  Só seria notada se não acontecesse. Tão despercebida quanto seu executor, “Ale”, como era mais conhecido. Mas logo ele que se dizia importante? Pois é. Descendente direto de Tomás Frías Ametller, importante político boliviano do seculo XIX, nascido alí proximo, em Potosí.  “Yo soy el nieto del hombre. Mi nombre fue puesto en honor a su madre, Alejandra Ametller”.
     A multidão já se desfazia quando ele ainda desabafou: "¿Qué sería de mí si yo fuera enfermo, o muerto?". Palavras de efeito aquelas. Mas muito breve e suave ele era. Apenas se entreolharam e, no máximo’ um balançado de cabeça, afirmativamente. Nem dez minutos depois todos se integravam a suas próprias vidas. Nenhum vestígio do ocorrido. E assim, mais uma vez a vila entardeceu, jantou, papeou e dormiu em paz.
     No dia seguinte os sinos não tocaram novamente ao meio-dia. Mas aí a hegemonia das badaladas diárias havia sido quebrada. E assim, nem todos perceberam a repetição da abstinência de Alejandro. Em exceção alguém até ainda comentou: “El Ale le gusta la bricadeira”. Outro foi mais além: "Se ha puesto de moda. Cambiaremos el campanero..."  Mas no fundo alguns até já estavam se acostumando com o silêncio na hora da cochilada.
     Três dias depois, num sábado, o sino continuava mudo. Quando o vigário de Potosí chegou para a missa da tarde, aquela que seria em “ação de graça”  teve de ser de “corpo presente”.
Chico Chagoso
Enviado por Chico Chagoso em 12/05/2015
Alterado em 13/01/2017
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