Adeus Diretor
Um dia meu colega de trabalho Vanderly Miranda me convidou para ajudá-lo na venda de revistas em uma banca que ele mantinha na Praça Jonathas Pedrosa, no centro de Porto Velho. Passei alguns meses nessa missão, onde concretizei uma amizade sólida que dura até hoje.
A velha banca que tinha pertencido a um conhecido meu e do meu pai. Um Holandês de nome impronunciável para nós. (Um de seus irmãos, o chamávamos de “Caterpillar” era o mais próximo de seu nome que chegávamos). E também nessa época meu amigo revelou que os atuais donos eram, ele e um irmão que morava no sul. Não passou muito tempo e o tal irmão veio pra assumir a direção por completo, uma vez que o emprego do outro não lhe dava muito tempo. Quando soube disso, conjecturei “Se trabalhar tanto quando o Vanderly… vai se dar bem”.
Nessa época a tal banca já era a melhor da cidade, se computados todos os pontos positivos. Era central, na principal avenida comercial, e tinha uma boa miscelânia de publicações. Logo de cara percebi que o irmão recém chegado era mais bruto que o Vanderly, no que diz respeito ao trabalho: de segunda a domingo; da madrugada às altas horas. Também logo foi se tornando amigo dos amigos do irmão, entre eles, eu. Era, para nós, o ponto cultural onde pelo menos uma vez na semana nos fazíamos presentes. Não raro nos proporcionava encontros casuais, quando sempre interagia com cortesia e bom humor. Tratava-nos por “Diretor”, uma fórmula que desenvolvera para não faltar com respeito com “as autoridades” e ser carinhoso com os conhecidos… Por isso logo ganhou, o também carinhoso, apelido homônimo. Não sei em que momento o “Diretor” passou a comandar a banca sozinho, o que também não vem ao caso.
Não foi difícil para ele aceitar um convênio entre nós e sua banca, onde comprávamos fiado e pagávamos no final do mês. E assim surgiu o pioneiro de um sistema de convênio que acabamos por estender para outros comerciantes da cidade. A banca mudou-se para a rua Júlio de Castilho, onde tinha mais espaço. E ai começou a montar um embrião do que viria a ser o maior sebo de Rondônia. Mas não foi só isso. Se o “Diretor” era prestativo e atencioso conosco, seus amigos e clientes, era por demais carinhoso para com nossos filhos. E isso transformou um ponto obrigatório toda a semana, para muito de nós. Eu por exemplo, no final da tarde de domingo ficava em torno de uma hora com as crianças negociando a quantia que cada um tinha direito. Era uma diversão só.
Tempos depois o “Diretor” mudou sua banca/sebo para um ponto maior ainda. Aí, já era dele e em plena Rua Carlos Gomes. Passou a chamar-se Livraria Central. Nossas crianças crescendo procurando outros livros e revistas e ele ali sempre nos oferecendo a melhor opção. Mas os anos passaram e as mídias foram mudando e nosso contato dominical foi diminuindo. Uma vez por mês, por semestre, nenhuma por ano…
Há uns dois anos tivemos uma longa conversa onde me revelou que estava cansado, embora não diminuísse o ritmo de trabalho. “Diretor” não viajava, não festejava, não descansava… só trabalhava. Também relatou sua surpresa em ver meus filhos, um ou outro, todos grandes, “tudo pirralhinho… agora tudo maior que eu”... Ele costumava chamar nossos filhos e netos pelo diminutivo de nosso nome ou apelido… “... a chaguinha neta passou aqui essa semana…”, “pepeuzinho vai levar essa aqui, oh?”
Em Janeiro, Vanderly, que mora em Cuiabá há muitos anos esteve aqui. Foi lá na Livraria Central que nos reunimos: “Diretor”, Vanderly, Roosevelt (outro irmão que vive aqui há muitos anos) e eu. Relembramos coisas boas do passado. No espírito melancólico alguns dias depois levei lá minhas duas caçulas e minha neta mais velha. foi outro momento de prazer. Pra não variar, estabeleci cotas para elas… E as “crianças” ficaram felizes… Foi motivo de muita conversa nos dias seguintes.
Há cerca de duas semanas liguei para o Diretor, precisava de um livro para a faculdade da minha caçula. Conversamos até atrapalhar os clientes. E, na última reunião na casa da minha primogênita, na semana passada, a “banca” foi motivo de muita conversa… Ela, o marido, meu segundo filho… todos relembramos alguma coisa daquele passado distante, mais gostoso.
Sem dúvida nenhuma o “Diretor” durante todos esses anos esteve presente fortemente nas nossas vidas. Nos permitiu ser mais felizes, mais sábios, e mais sociáveis, embora ele próprio vivesse apenas para seu trabalho.
Hoje pela manhã (22/03/2017), minha cabeleireira, que também é a do Roosevelt deixou um recado no meu messenger “O WALTER irmão do Roosevelt faleceu ontem anoite”(SIC). Fiquei mudo! Apenas pensei “Adeus Diretor”. Meio sem querer acreditar, repassei a notícia para meus filhos. Todos receberam com muito pesar. Desci a rua Carlos Gomes bem devagar, na vã esperança de ver o Diretor lá no fundão da Livraria… Mas o que vi a nota de Luto. Depois vi num jornal eletrônico a manchete “Morre em Porto Velho Walter Miranda, o mais importante livreiro de Rondônia”
Foi um dia triste para nós. Vá em paz, Diretor. Você estará eternamente nas nossa lembrança...
Chico Chagoso
Enviado por Chico Chagoso em 23/03/2017
Alterado em 27/02/2021