Textos


Ding, Bip, Bip, Dong.

Crônica

 

     Relógios nunca me fascinaram. Tive alguns na pós adolescência mas logo deixei de usá-los. Quando trabalhei um ambiente de processamento de dados precisei ter um no braço. Adepto da modernidade, procurei um digital, que já despontava à época. Fui ao melhor local pra comprar um: camelô.  Lá estava eu diante de vários modelos sem me decidir. Foi então que gostei do que estava no braço do vendedor. "Não meu patrão! Esse aqui tá quebrado... não consigo configurar mais ele, não", foi a resposta. Bastou um olhar pra entender que o que faltava era uma boa configuração e por isso comprei-o. Valor irrisório,  já que estava "quebrado". Menos de 15 reais nos valores de hoje. Menos de 15 minutos também para "acertar tudo". Lá estava eu com o modelo super avançado, embora simples e discreto. 

     Foi um relógio que durou muitos anos. Certa ocasião impulsionado pela crítica de que relógios digitais não eram confiáveis, resolvi testar sua pontualidade. Acertei-o "aos segundos" pelo relógio oficial brasileiro. Alguns meses depois, quando até havia esquecido a provocação, ouvindo a RádioTrans Mundial, à meia-noite veio a verificação. O locutor dessa rádio, nas horas cheias falava algo como: "Em Bonaire, Antilhas Holandesas, é zero hora". Simultaneamente ao "Zero Hora" havia um envelope sonoro de um "Ding... Dong". No todo ficava algo como: "Em Bonaire, Antilhas Holandesas, é - DING - zero hora - DONG". 

     Caros e pacientes leitores o que ouvi naquela meia-noite foi "Em Bonaire, Antilhas Holandesas é aproximadamente - DING - meia - BIP BIP - noite - DONG". Sim o leitor mais atento já deve ter percebido que o BIP-BIP foi do meu relógio que atestava sua pontualidade Britânica, mesmo alguns meses depois de ter sido acertado pelo Relógio de Brasília. 

     Aquele relógio passou a fazer parte do meu corpo. Não o tirava para nada. Até que uma vez em um descuido, meu filho que tinha menos de dois anos, segurando por uma ponta da sua pulseira golpeou o piso várias vezes, estilhaçando a mica. Após voltar do reparo, no primeiro banho de chuveiro, aquele que estava acostumado mergulhar comigo, pediu arrego e encheu-se de água... Ou seja, "Nadou, Nadou e do nada, morreu afogado".

     Foi isso que aconteceu!  Só pra arrematar, algum tempo depois, adquiri um outro relógio exatamente igual ao primeiro, mas dessa vez na loja, "zero KM", que dizer "zero minuto"... Mas aí, os tempos já eram outros... este último morreu no meu primeiro mergulho...  E pra fechar mesmo: isso já faz mais de três décadas... e eu nunca mais usei um relógio de pulso, desde então

2013

 

 


Inspiração:

Retrata fatos da decáda de 1980. Recentemente, lendo o texto humorístico Flagra de Suely Ribella veio como uma pedra em queda livre.

Modificações:

15/02/2022 - Alteração textual: no meio do segundo parágrafo onde se lia "Alguns meses depois, quando até havia esquecido a provocação, ouvindo uma rádio internacioal (Talves a "Voz da América", não lembro), à meia-noite veio a verificação" passou a ser "Alguns meses depois, quando até havia esquecido a provocação, ouvindo a RádioTrans Mundial, à meia-noite veio a verificação". Também foram colocadas aspas indevidamente omitidas, anteriormente e acrescentada a última frase do texto.

Chico Chagoso
Enviado por Chico Chagoso em 06/01/2022
Alterado em 15/02/2022


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